Muito além da filantropia
Ao criarem fundações e institutos, empresas ampliam relação com a comunidade, passando de simples mantenedoras a verdadeiras agentes de transformação social.
5 de setembro de 2008
Ao criarem fundações e institutos, empresas ampliam relação com a comunidade, passando de simples mantenedoras a verdadeiras agentes de transformação social.
5 de setembro de 2008
Fonte: Revista Anuário Expressão, 7 de julho de 2008.
Repórter: Andréia Seganfredo
Editoria: Tendências, p. 38 a 42.
FOCO NOS PROJETOS, monitoramento de resultados e promoção do desenvolvimento humano. Essa parece ser a melhor equação para definir o aprendizado de institutos e fundações empresariais com investimentos e iniciativas em prol da sustentabilidade no país. Na última década, a atuação do empresariado no terceiro setor cresceu vertiginosamente. Dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelam que, em 2004, o investimento social privado (ISP) alcançou a marca de R$ 4,7 bilhões, contando com a participação de 69% das empresas brasileiras. Além disso, a Fasfil (As Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil), pesquisa que avaliou a expansão do setor no país, mostra que houve um aumento de 157% no número de organizações entre 1995 e 2002, atingindo a cifra de 276 mil nesse último ano. “Diversas empresas vieram a criar institutos ou fundações, não encontrando maiores barreiras para sua implementação”, analisa Clarissa Lins, diretora executiva da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS).
O conceito de investimento social privado surgiu nos Estados Unidos, em meados dos anos 1980 – cerca de 10 anos depois da Conferência de Estocolmo. “Os doadores privados passam a considerar a necessidade de buscar a transformação da sociedade enfrentando as causas que afetam o desenvolvimento humano. E então descobrem que devem buscar fazer bons diagnósticos de situações ou dos problemas socioambientais”, afirma Marcos Kisil, presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS). Segundo ele, até aquele momento a filantropia tradicional tinha forte cunho paternalista, suprindo necessidades básicas, sem alterar a condição social dos beneficiários dos projetos.
Combate às causas
No Brasil, essa evolução também ocorreu nas fundações e institutos mantidos por empresas, que viram modelos bem estruturados no exterior e passaram a ter maior consciência dos problemas e dificuldades do país. “Nas décadas de 80 e 90, ficou evidente a crise de administração do Estado, o que levou a sociedade, o terceiro setor e os empresários a questionarem sua posição e a pensarem como eles poderiam mudar a realidade”, diz Fernando Nogueira, gestor de projetos do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), entidade que reúne os principais investidores sociais do país. Segundo Nogueira, hoje as empresas buscam a profissionalização, miram na perspectiva de resultados e de cidadania. “São duas coisas que ocorreram nesse processo: uma transição do assistencialismo para a cidadania, com foco na mudança das pessoas, e uma busca concreta por resultados”, completa.
A busca pela sustentabilidade, considerando as esferas do Triple Bottom Line (econômico, social e ambiental), também faz parte dessa avanço, sobretudo a partir da Eco-92. “As empresas passaram a enxergar as esferas ambiental e social como parte de um processo mais abrangente, incorporando o conceito do desenvolvimento sustentável. As principais dificuldades advêm tanto do entendimento do conceito quanto da capacidade de implementá-lo, sobretudo em função da mudança cultural que exige”, afirma Clarissa, da FBDS. Esse entendimento tem sido colocado em prática por algumas organizações. “Todos os nossos projetos têm uma visão socioambiental no sentido de construção da cidadania. O ser humano é um ser gregário: para viver depende do outro e do ambiente. É um erro pensar de forma separada”, afirma Cláudia Calais Buzzette, gerente de projetos da Fundação Bunge. Além disso, ela considera que a sustentabilidade não é apenas mais um modismo. “Há uma tentativa de sobrevivência não-catastrófica. É uma mudança comportamental, de atitude, uma nova forma de pensar a atuação empresarial” completa.
Ação organizada
Criada em 1955 – 50 anos depois da chegada da Bunge ao Brasil – a Fundação Bunge sempre manteve o foco na educação, área prioritária de investimento social privado, segundo dados do Censo GIFE 2005-2006. A primeira iniciativa da instituição foi o Prêmio Fundação Bunge, concedido anualmente a personalidades que estimulam o desenvolvimento de novos talentos nas áreas de ciências, letras e artes. Ao longo do tempo, novos projetos foram criados e adaptados aos locais em que eram inseridos, por meio da participação ativa da comunidade. Braço social de uma das principais empresas do agronegócio – com faturamento de R$ 17,7 bilhões no ano passado – a Fundação Bunge desenvolve seu trabalho em quatro diretrizes: ação voluntária, formação de educadores, incentivo à excelência e responsabilidade histórica e memória empresarial. No último ano, foram investidos R$ 5,5 milhões, em mais de 2.025 ações, que beneficiaram 50 mil pessoas.
No projeto Comunidade Educativa, funcionários das empresas Bunge, orientados por pedagogos, dedicam duas horas de trabalho semanal a escolas públicas do Ensino Fundamental. As atividades são variadas – vão do incentivo à leitura ao ensino de música, pois dependem da elaboração conjunta entre a fundação e os participantes. “O projeto não chega pronto. Buscamos desenvolver o protagonismo social, respeitando a realidade e a diversidade locais, assim como incentivando a relação família-escola”, afirma Cláudia.
A escola não recebe apenas novos projetos, como é também palco de transformação e de conscientização. Por meio de seminários e palestras, começam a ser discutidas ações para que os alunos possam entender seu papel e responsabilidade na preservação desse ambiente, propondo um exemplo de escola sustentável.
A vantagem nesse modelo é a desburocratização da empresa nos investimentos sociais – mesmo fator que levou a Vonpar a fundar seu instituto em 2007 (ver box). “Seguimos linhas de atuação, porque caso contrário as ações ficam muito polarizadas e corremos o risco de nos perder na própria burocracia”, diz Cláudia.
Foco e impacto
O desejo de ampliar o impacto de projetos voltados à sustentabilidade fez a Vonpar reavaliar os investimentos e reorganizar a estrutura da empresa, criando em 2007 o Instituto Vonpar. Responsável pelo aporte financeiro e técnico a programas que tenham como objetivo a reciclagem de materiais como meio de promoção humana, desenvolvimento social e preservação do meio ambiente, o instituto seleciona parceiros através de edital público de concorrência e presta assistência pelo período de 10 meses. No Rio Grande do Sul, o edital foi lançado em setembro do ano passado e contemplou 13 projetos, atendendo 23 unidades produtivas. Em Santa Catarina, as inscrições foram recebidas até o último mês de junho e a expectativa é que o número de projetos financiados chegue a 10. No total, o instituto deve repassar R$ 1,1 milhão a entidades dos dois estados, além de investimentos em capacitação e monitoramento de resultados.
Anteriormente, por meio da Fundação Vonpar, diversos projetos voltados a preservação ambiental, esporte, assistência social e cultura eram financiados ou desenvolvidos pela empresa. A partir de agora, a fundação fica responsável apenas pelo projeto Prato Popular, restaurante que oferece refeições equilibradas por R$ 1 à população de baixa renda, e o instituto volta-se para o financiamento de projetos socioambientais. “Esse planejamento ajudou a abandonar projetos e iniciativas muito pulverizados e garantiu tema, foco e metodologia bem definidos ao instituto. Focar a atuação nos permite ampliar nosso impacto social e também mensurá-lo”, analisa Léo Voigt, diretor executivo do Instituto Vonpar.
Retorno certo
Na Fundação Odebrecht, a evolução do conceito de sustentabilidade dentro da própria empresa fez com que o foco de atuação fosse completamente alterado nas últimas décadas. Fundada em 1965, a instituição tinha como propósito beneficiar colaboradores excluídos da Previdência Social e, posteriormente, prover assistência médica a todos. No início dos anos 80, voltou-se para a atuação exclusiva na comunidade, tendo adolescentes como público-alvo. No fim dos anos 90, coordenou as ações do Programa Aliança com o Adolescente pelo Desenvolvimento Sustentável, desenvolvidas em regiões com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no Nordeste. Nessa época, foram desenvolvidos diversos projetos no sul da Bahia para implantar cadeias produtivas a partir da vocação econômica da região, além de fomentar a educação rural de qualidade e o acesso à justiça e à cidadania. Algumas dessas iniciativas foram incorporadas ao Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Baixo Sul – DIS–Baixo Sul, criado em 2004, que se tornou o carro-chefe da fundação.
O programa contempla oito projetos: quatro cadeias produtivas (mandioca, peixe, palmito e paiçava), duas casas familiares (rural e do mar), uma casa jovem (dedicada à educação rural de qualidade), uma organização dedicada à cidadania (IDC – Instituto da Cidadania) e a OCT – Organização de Conservação de Terras, dedicada à conservação ambiental. Esses projetos atuam de forma integrada e junto à comunidade. “Os jovens formados nas casas familiares aplicam seus conhecimentos nas cadeias produtivas, nas quais estão envolvidas as propriedades de suas famílias, muitas regularizadas por meio do IDC.
As cooperativas contam com o apoio da OCT na utilização de tecnologias limpas”, explica Maurício Medeiros, presidente executivo da fundação. No último ano, a Organização Odebrecht investiu R$ 41,1 milhões em 47 projetos culturais e em 206 projetos sociais e ambientais. Todas essas ações são acompanhadas por meio de um Programa de Ação, no qual resultados, orçamento e prazos são reunidos e acompanhados mensalmente. No caso das cooperativas, são levados em conta o número de cooperados inscritos e capacitados, produtividades nos setores primário e secundário, além da receita de vendas das cooperativas e aumento de renda dos produtores.
Nova realidade
Os resultados de todas essas iniciativas começam a aparecer. Na região sul da Bahia, a Odebrecht conseguiu alavancar a produtividade de mandioca de oito para 25 toneladas/hectare. “Não basta ao empresário fazer de sua organização uma ‘ilha de prosperidade’. É preciso situá-la num mar de oportunidades, acessíveis a um número crescente de cidadãos”, afirma Medeiros.
A Fundação Bunge capacitou 12 mil professores por meio do projeto ReCriar, em cinco anos de existência. “Acreditamos que reside na educação a grande transformação social, cultural e econômica do Brasil”, pondera Cláudia Buzzette. A julgar pelos números do IPEA que apontam que 43% do empresariado brasileiro tem planos de expandir os recursos e o atendimento à comunidade, programas promissores como esses tendem a aumentar, contribuindo para alterar a realidade
social do país.
Gerdau: políticas alinhadas em diferentes países
Coordenar políticas, diretrizes e investimentos da mantenedora em projetos de responsabilidade socioambiental são as principais funções dos institutos e fundações corporativas. Mais organizadas, as ações sociais alcançam melhores resultados. Em busca desse upgrade nos programas de Responsabilidade Social Empresarial, o Grupo Gerdau criou, em 2005, o Instituto Gerdau. Com comitês distribuídos em todas as unidades do grupo no país, o instituto detecta as necessidades da comunidade de entorno, busca soluções e acompanha os resultados das iniciativas. “Além de otimizar recursos e de estimular parcerias com outras organizações públicas e privadas, o instituto trabalha para que os projetos se tornem auto-sustentáveis”, explica o diretor do Instituto Gerdau, José Paulo Soares Martins.
Os investimentos em educação representam a maior parcela dos recursos destinados pelo Instituto Gerdau a ações sociais — em 2007, foram R$ 63,9 milhões (parte desses recursos é proveniente de incentivos fiscais para a cultura). Projetos como o movimento Todos pela Educação buscam mobilizar a sociedade pela melhoria da qualidade no ensino básico, reforçando a necessidade de acompanhar o desempenho das escolas, educadores e alunos. “O movimento já se mostrou capaz de influenciar o Plano de Desenvolvimento da Educação do governo brasileiro, por meio do estabelecimento de metas”, afirma Martins.
Em 2007, o grupo, que faturou R$ 34,2 bilhões, investiu R$ 72,7 milhões em projetos de responsabilidade social, o que representa um crescimento de 40,9% em relação a 2006. “A sustentabilidade do Grupo Gerdau não está somente na gestão do negócio, na eficiência de seus colaboradores e na proteção do meio ambiente. Ela também está além dos muros de suas unidades, porque o sucesso empresarial caminha ao lado do desenvolvimento das comunidades”, diz Martins. Além do Brasil, o Instituto Gerdau mantém atividades nas unidades do grupo no Uruguai, na Argentina, no Chile, na Colômbia e no Peru. Neste ano, a instituição planeja a participação em projetos desenvolvidos pelas empresas do grupo nos Estados Unidos e no Canadá.
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[A matéria traz informações desatualizadas sobre os projetos que integram o DIS Baixo Sul].
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